Mineração em Serra Sombria

Venha conhecer a mineradora de Serra Sombria, aproveite e veja se quer trabalhar junto também!

6/9/20255 min read

Mineração em Serra Sombria

Venha conhecer a mineradora de Serra Sombria, aproveite e veja se quer trabalhar junto também!

Capítulo 1: Bem-vindo à Serra Sombria

Cheguei com o sol nas costas e o frio na alma. O ônibus sacolejante que me trouxe da cidade parou diante de um enorme portão de ferro enferrujado, onde se lia em letras tortas: Mineração Ouro da Serra – Mude de Vida.

Fui recebido por um homem de voz grossa e chapéu de couro desbotado. Chamava-se Zé Ribamar, o encarregado da nova leva. Olhos fundos, pele como couro seco. Ele estendeu um papel amassado — o contrato. R$ 6.000 por semana, turnos de seis horas, pagamento em espécie, toda sexta-feira. Não havia cláusulas demais. Só uma folha, com destaque em vermelho no rodapé:

“Siga as quatro regras. Ou não terá nada a gastar.”

Assinei. Com a caneta tremendo.

Naquele fim de tarde, a Serra Sombria exalava um silêncio sufocante. Não havia passarinho, nem grilos. Só o eco distante de algo... algo cavando.

Capítulo 2: As Quatro Regras

Na sala de instrução, um vídeo tocava num monitor velho, com chiado no som e imagem trêmula. Era uma gravação da própria empresa. A voz suave e amistosa do narrador contrastava com o conteúdo:

Regra Um: Traga sua própria picareta.
As ferramentas da mina têm memória. Não gostam de mãos novas. Ferramentas da empresa não são emprestadas — são deixadas. E quem pega, nunca devolve.

Regra Dois: Ignore os lamentos.
Você vai ouvir vozes. Choro, às vezes cantiga. São os esquecidos. Não olhe. Não responda. Bata a picareta com mais força. O som do trabalho afasta a saudade deles.

Regra Três: Nunca assobie.
A mãe do ouro não gosta de concorrência. Se você assobiar, ela vem. E ela cava mais fundo que qualquer um.

Regra Quatro: Respeite a sirene.
Depois que toca, cinco minutos. Saia da mina. Corra, se precisar. O portão fecha. E o que fica, paga imposto com alma, não com ouro.

Ninguém riu. Nem mesmo os que vieram em busca de aventura. Alguns engoliram seco. Outros olharam o chão. E eu? Eu já sabia que tinha entrado em algo que não se pode sair com simples aviso prévio.

Capítulo 3: Primeira Descida

Meu primeiro turno começou à meia-noite. O capacete era pesado. A picareta — a minha, trazida de casa — parecia mais leve do que devia, como se adivinhasse o peso do medo que eu carregava.

Desci pela trilha de trilhos abandonados, vagão de mina deslizando vazio por um lado. À medida que a luz da entrada sumia, a escuridão ganhava cheiro: ferro, terra molhada e... algo mais. Algo doce. Quase melado.

No setor B13, comecei a bater. Pedra dura, veios reluzentes. O ouro estava lá, real, cintilando entre as rachaduras. Em poucos minutos, a mochila já pesava mais que o corpo.

Foi quando ouvi o primeiro lamento.

Baixo. Longe. Como se viesse das pedras.

"Me tira daqui... por favor..."

Lembrei da regra dois. E bati mais forte.

Mas o lamento também ficou mais forte.

Capítulo 4: A Ferramenta Marcada

Ao meu lado, um rapaz novo — Nando — achou engraçado usar uma picareta que encontrou encostada. Reluzia, com cabo polido. Ele ignorou os avisos. Disse que ferramenta é ferramenta.

Duas horas depois, Nando parou de falar.

Ficava olhando para o escuro entre os trilhos. Murmurava coisas. Dizia ouvir vozes que chamavam pelo nome dele. Que a picareta queria "voltar pra casa". Tentamos convencê-lo a largar. Ele não quis.

No fim do turno, Nando não saiu.

A sirene tocou. Corremos. Ele ficou.

No café da manhã, não se falava disso. E no mural da entrada, uma nova foto apareceu: "Funcionário do mês: Nando Pereira." Mas os olhos da foto não batiam com os do rapaz que eu conheci. Estavam fundos. Vazios.

Capítulo 5: Os Esquecidos

Nas noites seguintes, os lamentos aumentaram. Um em especial, vinha sempre no mesmo horário. Feminino. Cantava uma cantiga de ninar.

"Trezentos homens entraram... só cinquenta vão voltar..."

Era uma voz doce, mas carregada de dor.

Numa noite, vi um vulto. Não olhei. Continuei batendo. O ar ficou mais frio. Um colega tentou filmar. O celular explodiu em faíscas na mão dele. Sem fogo. Só eletricidade. E uma cicatriz em forma de espiral no braço.

Os esquecidos não querem ser lembrados. Querem ser deixados.

Capítulo 6: O Assobio

Foi um erro.

Alguém novo, um tal de Jaiminho, assobiou. Era o hino do clube dele. Nervoso, sem perceber. Três notas curtas.

A mina silenciou. Absolutamente. Nem batidas, nem lamentos. O silêncio de quando o ar se retrai.

E então veio o cheiro de enxofre.

A luz das lanternas ficou avermelhada. O chão tremeu, mas o teto não caiu. O som que veio depois não era humano. Nem animal. Era o som da fome.

Jaiminho correu. Mas uma mão dourada saiu da parede e agarrou o peito dele. Ele foi puxado, como se o ouro o quisesse inteiro.

Não sobrou nada. Nem os gritos.

Capítulo 7: Cinco Minutos

O tempo entre a sirene e o portão fechar era sagrado. Nos primeiros dias, achava exagero. Depois do caso do Zé do Mato, entendi.

Zé achou uma pepita do tamanho de uma cabeça. Disse que valia cinquenta mil. Quis tirar uma foto antes de sair. Perdeu dois minutos.

Quando chegou à porta, ela estava fechando. Correu, gritou. A mina se fechou atrás dele como uma boca faminta.

Três dias depois, encontramos a pepita do Zé... no refeitório.

Em cima dela, uma unha humana. Ainda com carne.

Capítulo 8: Ouro é Dívida

Eu deveria ter ido embora.

No sábado, com o dinheiro no bolso, ônibus na porta. Mas algo me puxava de volta. O ouro. O som da picareta. A lembrança da voz cantando a cantiga.

Comecei a sonhar com a mina. Acordava com terra na boca. Meus olhos ardiam de tanto escuro.

Zé Ribamar disse: "Já era. Agora cê é da mina."

Não discordei.

A Mãe do Ouro me observava. Eu sabia. Ainda não me quis. Mas virá.

E quando vier, não correrei. Porque já sou parte do veio. Parte do ouro. Parte da dívida.

Capítulo 9: Restaurante da Aparecida

É tradição. Depois do pagamento, todos vão ao restaurante da Aparecida. Comida caseira, feijão com torresmo, cachaça boa.

Ela sempre pergunta: “Pegou muito dessa vez?”

A gente responde, rindo amarelo: “O suficiente pra voltar.”

Ela sorri. Mas seus olhos, antigos como as montanhas, sabem. Ela já viu muitos. E já serviu feijão pra quem nunca saiu da mina.

Na parede, fotos antigas. Homens sorrindo com capacetes. Nomes esquecidos. Mas todos têm algo em comum: os olhos. Estão sempre... meio apagados.

Capítulo 10: Até a Próxima

Se você está pensando em vir, pense duas vezes.

A mina paga bem. O bastante pra mudar sua vida.

Mas ouro não vem de graça. Ele cava dentro de você. Vai tirando as coisas devagar. O sono. A alegria. O nome.

Hoje, sou mais leve. Não pelo dinheiro, mas porque deixei pedaços meus lá dentro.

Se vier, traga sua picareta. Traga fé. E não assobie.

A Serra Sombria está sempre contratando.

Até a próxima.

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