Hospital em Serra Sombria

Fenômenos inexplicáveis acontecem dentro das instalações hospitalares.

Lilo

4/3/20255 min read

Hospital em Serra Sombria

Fenômenos inexplicáveis acontecem dentro das instalações hospitalares.

Capítulo 1: A Proposta

O e-mail chegou no meio da tarde, com o sol atravessando as janelas do centro médico universitário onde Rafael Farias terminava seu último plantão como interno. O título era direto: “Residência Médica – Vaga Imediata”.

O conteúdo parecia surreal: o Hospital Municipal de Serra Sombria, encravado no sertão baiano, oferecia salário de R$ 25.000 mensais, alojamento e alimentação incluídos, para residência em clínica médica. Havia apenas um detalhe peculiar: o médico selecionado deveria aceitar algumas regras específicas de conduta interna.

No anexo, um arquivo em fonte mecanografada listava quatro regras, todas ligadas ao turno da madrugada.

Rafael leu, riu, e leu de novo.

Era uma piada? Não parecia. O remetente era legítimo, o CNPJ do hospital constava no portal da transparência. E o nome do diretor, Dr. Paulo Meireles, fora citado em artigos científicos. No rodapé do e-mail, uma frase:

"A vaga está aberta desde a saída do Dr. Antunes. Esperamos você até domingo."

Intrigado — e quebrado financeiramente — Rafael decidiu aceitar.

Capítulo 2: Bem-vindo a Serra Sombria

A cidade não constava em nenhum mapa atual. Rafael usou uma rota alternativa enviada por e-mail. Após seis horas de estrada, o asfalto virou terra e a paisagem verde escureceu num tom permanente de bruma.

Serra Sombria parecia esquecida pelo tempo. Vinte e poucas casas, um mercado desativado, e ao centro: o hospital. Uma construção centenária, imponente, de pedras de arenito e janelas arqueadas.

Foi recebido pela enfermeira Arlete, uma senhora de expressão dura e voz baixa. “Seja bem-vindo, doutor. Está no lugar dele agora. Do Dr. Antunes.”

Antes que Rafael perguntasse, ela completou: “A ala dos médicos é no segundo andar. Memorize as regras. Aqui, elas são o que mantém tudo funcionando.”

Ele foi levado a um quarto simples, mobiliado com cama de ferro, armário de madeira e uma televisão analógica. Um envelope repousava sobre a escrivaninha.

“Manual de Conduta – Turno Noturno”

As mesmas regras. Só que agora, escritas à mão. No final do papel, algo novo:

“Se encontrar o Dr. Antunes, não fale com ele. Ele não sabe que partiu.”

Capítulo 3: Portões Trancados

O primeiro plantão noturno começou calmo. Josué, o enfermeiro-chefe, alertou: “2h50, é hora de trancar o portão principal.” Ele segurava uma chave enorme, pesada, de ferro oxidado.

“Você vai entender por quê. Mas já te adianto: se alguém bater entre 3h e 4h, diga apenas: ‘O Dr. Antunes está a caminho’. Entendido?”

Às 3h12, alguém bateu. Com força.

Rafael se aproximou. Um homem ensanguentado implorava por ajuda, a mão cobrindo o abdômen rasgado. Ao lado dele, uma mulher tremia, chorando. Rafael se moveu por instinto.

“Não abra”, sussurrou Josué.

“Mas ele vai morrer!”

“Diz a frase. Agora.”

Com os punhos cerrados, Rafael murmurou: “O Dr. Antunes está a caminho.”

O casal parou de chorar. Ficaram calados. Então sorriram.

E viraram de costas, caminhando lentamente para dentro do mato. O sangue gotejava... ao contrário.

Capítulo 4: Os Sanfoneiros

Na noite seguinte, Rafael ouviu a música.

Uma sanfona, antiga, melancólica, tocando sem pressa pelos corredores. Era impossível dizer de onde vinha.

Até que viu.

Um homem velho, magro, com pele ressecada como couro antigo. Vestia chapéu, gibão e botas. Nas mãos, um corpo pequeno envolto num manto branco.

Não disse uma palavra.

Rafael tentou perguntar, mas lembrou da regra.

“Encaminhe para a ala leste. Não faça perguntas. Nunca retire o manto.”

O velho seguiu em silêncio, sumindo corredor adentro.

No dia seguinte, Rafael procurou a ficha do paciente. Não havia registro. Nenhuma entrada. Nenhuma saída.

Capítulo 5: A Mulher no Corredor

Na quinta noite, a energia caiu às 2h41.

O gerador falhou. Rafael ligou a lanterna e percorreu o corredor central até ver... ela.

Uma idosa pálida. Estava parada no final do corredor, olhando diretamente para ele. Os olhos fundos, pretos como óleo. Os lábios moviam-se sem som.

O manual foi claro: “Não se aproxime. Vá até a sala de descanso. Espere 10 minutos.”

Cada passo rumo à sala foi uma tortura. A mulher não se moveu. Nem piscou.

Lá dentro, Rafael observava o relógio.

Dez minutos. Depois sussurrou: “Você está aí?”

Nenhuma resposta.

No corredor, ela havia sumido.

Capítulo 6: O Necrotério

Às 3h26 da madrugada de sexta, Rafael ouviu.

Choro. Fraco. De uma criança.

Ele caminhou pelo hospital até entender: o som vinha do subsolo.

Do necrotério desativado.

O aviso soava alto em sua cabeça: “Não desça nunca.”

Mas a compaixão latejava. Criança chorando? Ali?

Foi até a escada, olhou para baixo. Nada, só escuridão.

Então ouviu uma nova voz: “Doutor Farias...”

Virou-se assustado. Ninguém.

A televisão da sala dos médicos estava desligada. Ele correu até ela e aumentou o volume ao máximo.

O choro cessou.

Capítulo 7: O Dossiê Antunes

No sábado, Rafael vasculhou a sala de arquivos.

Achou uma gaveta etiquetada: "Dr. Antunes – Acesso Restrito"

Dentro, uma pasta gasta, com relatórios, fotos, e anotações.

Dr. Antunes havia sido um residente exemplar — disciplinado, respeitado. Até que começou a agir de forma estranha, segundo os relatos. Falava com pacientes inexistentes, andava pela ala leste conversando com “os de branco”.

O último registro oficial datava de sete anos antes. Um bilhete de próprio punho dizia:

“Eles bateram. Eu abri. Agora sou parte disso.”

Abaixo, colado com fita amarelada, um recado:

“Se ele bater à porta, diga apenas: ‘Já estou de saída’. E feche bem os olhos.”

Capítulo 8: As Regras Mudam

Na noite de domingo, a energia caiu mais cedo. A sanfona tocava, distante.

O portão tremeu, como se alguém batesse do lado de fora — e de dentro, ao mesmo tempo.

Rafael correu até a recepção e viu, através do vidro: o Dr. Antunes.

Idêntico à foto dos arquivos. Mesma expressão séria, mesmo jaleco branco, agora sujo de terra.

Antunes não piscava. Nem respirava.

“Já estou de saída”, murmurou Rafael, olhos fechados.

Quando abriu, o portão estava trancado, e o corredor, vazio.

Na sala dos médicos, um bilhete novo sobre a escrivaninha:

“Boa resposta. Continue assim.”

Capítulo 9: A Escolha

Rafael já sabia que não podia sair.

Tentara. Ônibus não passavam. Cartas não iam. Telefonemas caíam em ruído branco.

Arlete agora o tratava como tratava Antunes nos registros antigos — com reverência silenciosa. Josué dizia frases como: “Quando você se for, espero que eu ainda esteja aqui.”

Em uma madrugada chuvosa, o sanfoneiro voltou. Parou diante de Rafael. Pela primeira vez, falou:

“Ele espera você lá embaixo.”

Rafael soube: o necrotério. Antunes. O fim da linha.

Mas não desceu.

Voltou à sala, ligou a TV. Aumentou o volume. E esperou.

Capítulo 10: O Novo Guardião

Hoje, Rafael anda pelos corredores com passos seguros. Sabe onde não olhar, o que não ouvir, a quem ignorar.

Às vezes, vê a sombra de Antunes no vidro, do lado de fora. Sabe que ele vigia — mas agora como parte do hospital.

Rafael é o novo elo. O novo nome no rodapé da proposta.

No computador do hospital, um e-mail em rascunho:

Residência Médica – Vaga Imediata

R$ 25.000 por mês. Alojamento incluso. Início imediato.

Observação: memorizar as regras abaixo antes da chegada.

Essa vaga pertenceu ao Dr. Antunes.

Agora, é sua.

Serra Sombria ainda espera por você.

Nos ajude a continuar a produzir essas histórias para você!

Se você gostou da história, por favor considere nos apoiar e comprar por um preço simbólico (R$14,90) uma coletânea de 10 contos que se passam em Serra Sombria. Foram alguns corajosos que aceitaram as propostas.....

Disponível no formato de e-Book Kindle pela Amazon!