Guarda Florestal
Você já pensou em ser guarda florestal em um local repleto de terror?
1/4/20245 min read
Guarda Florestal
Você já pensou em ser guarda florestal em um local repleto de terror?

Capítulo 1: A Vaga da Meia-Noite
O e-mail chegou numa madrugada insondável, como se soubesse exatamente quando minha insônia me tornava vulnerável. "Procura-se guarda florestal para turno noturno. Pagamento diário. Alojamento incluso." O anexo trazia poucas instruções e um aviso em letras vermelhas: "Leia as regras antes de aceitar."
A Reserva Vale Quieto ficava isolada, cercada por florestas densas e relatos esparsos de eventos estranhos. Eu estava quebrado — financeira e emocionalmente. Um emprego com pagamento diário parecia bom demais para recusar.
Fui aceito sem entrevista, o que era estranho, mas não mais estranho que o manual que recebi ao chegar. Um caderno encapado com couro grosso, páginas amareladas e rabiscadas à mão. Na primeira página, quatro regras sublinhadas. A tinta parecia recente.
— Bem-vindo à sua nova casa — disse um homem pálido de uniforme antigo, entregando-me uma chave enferrujada e sumindo entre as árvores sem sequer esperar minha resposta.
A cabine era modesta, com um beliche, uma prateleira de mantimentos e um rádio portátil. À frente, a floresta parecia respirar. Eu me sentei, observei o breu pela janela e reli o manual. Era difícil acreditar no que estava escrito — até a primeira noite.
Capítulo 2: Silhuetas na Escuridão
O turno começava às 23h. Às 00h47, ouvi um estalo seco vindo da trilha. Observei pela janela. Um ser indistinto — alto, de pelagem escura — andava em duas patas. A regra um ecoou em minha mente: "Não os encare. Desligue o rádio."
Meu coração pulsava como um tambor quebrado. A mão trêmula desligou o rádio que murmurava uma canção dos anos 60. Fiquei imóvel. O ser parecia me ignorar, mas permaneceu ali. Observando.
A criatura tinha algo de profundamente errado. Seu movimento era preciso demais, sua presença densa demais. Quando desapareceu entre as árvores, permaneci parado por longos minutos, incapaz de respirar normalmente.
Naquele instante, entendi que aquele trabalho não era um capricho governamental nem um ritual corporativo. Era sobrevivência. Cada regra tinha um preço — e cada erro, uma sentença.
Capítulo 3: Patrulha em Silêncio
Na segunda noite, fui convocado pelo rádio. A voz dizia apenas: "Patrulha às 2h15. Rota leste. Vá sozinho." Peguei a lanterna, a prancheta e me enfiei na escuridão.
A floresta engolia o som dos meus passos, como se a mata tivesse sede de ruído. O manual dizia: “Silêncio absoluto. Se gritar, nunca voltará.” Uma advertência que mais parecia maldição.
Vi sinais de movimentação humana — cigarros apagados, pegadas recentes. Mas também vi algo mais: uma jaqueta rasgada, pendurada num galho alto demais. Como se alguém tivesse sido arrastado para o alto por algo que não conhecia misericórdia.
Um grito breve cortou a mata, não muito longe. Parei. Um arrepio queimou minha espinha. Depois, silêncio absoluto. Se havia alguém lá, não mais estava vivo. Retornei mudo, ofegante. O rádio chiou: “Patrulha concluída. Volte à base.”
Na volta, notei olhos me seguindo entre as sombras. Nunca os encarei.
Capítulo 4: O Portão da Meia-Treva
Às 3h da manhã, o despertador tocou. O manual era claro: "Verifique o portão de entrada. Ao retornar, não olhe para trás. Não importa o que ouça."
O portão ficava a quase um quilômetro. Atravessei trilhas úmidas, cercado por um silêncio que pressionava os pulmões. Ao chegar, testei o cadeado. Estava firme. Um bilhete pendia do metal: "Boa sorte na volta."
No caminho de volta, os passos começaram atrás de mim — lentos, arrastados. Cada estalo parecia mais próximo. Por instinto, tentei virar o rosto, mas parei. As palavras no manual pulsavam na minha mente: "Não olhe. Nunca olhe."
A sensação era de que algo crescia atrás de mim. Como se o ato de ignorá-lo o tornasse mais audaz. Os passos não eram de botas. Eram de cascos.
Entrei na cabine trêmulo. Não olhei para fora até o amanhecer.
Capítulo 5: A Pergunta do Desconhecido
Faltavam trinta minutos para as 5h quando bateram na porta. Três batidas, espaçadas. Olhei pelo olho mágico — havia um homem com aparência de funcionário, uniforme limpo demais, sorriso fixo demais.
— Você trancou o banheiro? — perguntou com voz neutra.
Eu havia esquecido. Mal usei o mictório naquela noite. Corri até ele. Tranquei com a chave pendurada ao lado. Voltei, o homem ainda estava ali.
— Trancou o banheiro? — repetiu.
— Sim — respondi com a voz seca.
Ele sorriu, entregou um envelope grosso e desapareceu no mato, sem barulho algum.
Na manhã seguinte, uma frase foi rabiscada no manual: "Você aprendeu. Por enquanto."
Capítulo 6: Os Que Não Voltaram
Na quarta noite, encontrei um caderno deixado na cabine. Páginas rasuradas, rabiscadas por mãos desesperadas. Era de um guarda anterior.
Ele falava dos "observadores", dos "que sussurram entre as árvores" e da noite em que gritou sem querer. Havia apenas uma página final: "Se você está lendo isso, ainda tem salvação. Não confie em vozes familiares. Elas não são quem parecem."
Aquilo mudou tudo. Comecei a notar detalhes. Vozes no rádio me chamavam por apelidos que nunca revelei. Um sussurro dizia meu nome completo fora da janela. E, numa madrugada, minha mãe — morta há anos — bateu na porta da cabine.
Não abri.
Capítulo 7: Chuva de Cinzas
Na sexta noite, uma névoa desceu sobre a reserva. Espessa, cinzenta, trazia um cheiro de queimado. O rádio chiava palavras desconexas. Do lado de fora, ouvi gemidos. Fui instruído pelo rádio: "Mantenha-se dentro da cabine. Não respire o ar da névoa."
Tive de usar a máscara de emergência. A névoa parecia ter vontade própria. Batiam na porta, arranhavam as janelas. E então vi, no meio da névoa, as silhuetas de todos que falharam. Olhos opacos. Roupas rasgadas. Gritavam, mas sem som.
A madrugada durou mais do que o normal. Só ao amanhecer o céu clareou. Do lado de fora, marcas de garras na porta e cinzas espalhadas como neve negra.
Capítulo 8: A Última Patrulha
Na oitava noite, o rádio ficou mudo. Nenhuma instrução. Nenhuma voz.
Fui até o portão às 3h — ele estava entreaberto. Uma decisão terrível: trancá-lo e seguir o protocolo ou investigar o que o abriu? Escolhi seguir a regra. Tranquei e voltei, mesmo ouvindo gritos de socorro atrás de mim.
Na volta, senti algo encostar minha nuca. Gelado. Pulsante. Mas não olhei.
Às 4h30, ninguém veio fazer a pergunta. Em vez disso, ouvi um bilhete ser deslizado por debaixo da porta. Nele, apenas duas palavras escritas em sangue seco:
“Corra. Agora.”
Mas para onde se corre quando tudo à volta é floresta viva?
Capítulo 9: A Saída Impossível
Fugi da cabine. Corri pelas trilhas que conhecia, seguindo placas que se moviam sozinhas. Cada trilha levava de volta à cabine. Como se a floresta fosse um ciclo fechado, uma armadilha de tempo e espaço.
Na última tentativa, encontrei um buraco sob a cerca. Atravessei. Do outro lado, uma clareira silenciosa. No centro, uma árvore solitária com símbolos entalhados. E uma caixa.
Dentro da caixa, um novo caderno. Primeira página: “Regras para o novo guarda.”
A floresta não queria que eu fugisse. Queria que eu substituísse.
Capítulo 10: Bem-vindo à Vigília
Agora eu sou o homem que bate à porta.
Eu pergunto: “Você trancou o banheiro?”
Observo os novos, escondido entre as árvores.
Sou o silêncio nas trilhas. O que sussurra nomes ao vento. A silhueta entre as sombras.
E àqueles que tentam fugir, entrego o mesmo caderno.
Com regras.
E um destino que ninguém escolheu.
Bem-vindo à Vale Quieto.
Onde a noite nunca termina.
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