Espetinho em Serra Sombria
Você aceitaria fazer uma renda extra neste espetinho sobrenatural?
12/6/20235 min read
Espetinho em Serra Sombria
Você aceitaria fazer uma renda extra neste espetinho sobrenatural?

Capítulo 1: O Cartaz Amarelo
O aviso estava colado na lateral enferrujada de um poste de luz, os cantos amassados e uma mancha de gordura no centro. “Precisa-se de ajudante noturno — pagamento em dinheiro. R$ 350 por noite.” Abaixo, em letras menores, o nome: Espetinho do Josué.
Gabriel arrancou o papel e o guardou no bolso. Com uma situação financeira tenebrosa, não pensou duas vezes. Às 22h45 daquela noite, chegou ao quiosque, um trailer vermelho fosco encostado à beira da rodovia 121, bem onde o mato alto começava a esconder o asfalto quebrado.
Josué, um homem calvo, de olhos fundos e paletó de couro surrado, esperava encostado no balcão.
— Chegou no horário. Isso é bom. Aqui a pontualidade pode salvar vidas — disse, oferecendo um avental encardido.
Gabriel riu, achando que era piada. Mas Josué não riu de volta.
— Antes de começar, precisa ouvir as regras. E segui-las, entendeu?
Gabriel assentiu. A fome falava mais alto.
E então Josué começou a falar.
Capítulo 2: Quatro Regras Simples
Josué falava baixo, como quem teme ser escutado pela própria noite.
— Primeira regra. Se aparecer alguém... calado, pele lisa e sem olhos — sim, sem olhos —, você sorri e diz: “Hoje o ponto já fechou”. Diga com firmeza. Eles respeitam isso. Mas não os ignore. Nunca.
Gabriel engoliu em seco.
— Segunda. Tem uma gaveta com moedas de prata. Às vezes alguém... ou algo... pede troco. Sempre tenha essas moedas. Se faltar, é a sua vida que pagará o valor.
Josué não deixava espaço para dúvidas.
— Terceira. Às 3:33 em ponto, apague a luz e se esconda. Algo passa na estrada, sempre no mesmo horário. Ele não gosta de ser visto. Se a luz estiver acesa, ele para. E você não quer isso.
Gabriel começava a suar.
— E por último. Se vir um velho vestido de coveiro vindo em sua direção, não o deixe esperando. Corra até ele, sirva o espetinho e mantenha a cabeça baixa. Ele é mudo, impaciente... e tem o costume de enterrar o que o aborrece.
O silêncio entre os dois durou longos segundos.
— E se eu seguir tudo isso?
— O dinheiro estará no balcão, ao amanhecer — respondeu Josué, já se afastando para a estrada escura.
Gabriel olhou para o espeto cru diante de si. A primeira noite tinha começado.
Capítulo 3: O Cliente Sem Olhos
A meia-noite havia passado. Gabriel mantinha-se atento, virando os espetos com cuidado, observando cada farol que cruzava a estrada. O cheiro de carne assada preenchia o ar seco da madrugada.
Então, ele o viu.
Um homem — ou o que parecia ser um — se aproximava em absoluto silêncio. A pele lisa, sem poros, e onde deveriam estar os olhos, havia apenas um relevo suave. A criatura parou diante do balcão, imóvel.
O pânico paralisou Gabriel por um segundo. A voz de Josué ecoou em sua cabeça.
“Hoje o ponto já fechou.”
Ele forçou um sorriso, quase tremendo, e disse:
— Hoje o ponto já fechou.
A criatura continuou parada por mais dois segundos, longos como eternidade, e então virou-se lentamente e desapareceu pela estrada, sem emitir som algum.
Gabriel cambaleou para trás e sentou-se num caixote, sentindo a adrenalina correr como veneno.
Capítulo 4: Prata ou Morte
Era por volta das duas da manhã quando um carro antigo parou em frente ao trailer. Dele desceu uma mulher de vestido branco, mas seu rosto permanecia escondido pelo véu. Ela estendeu a mão pálida com uma nota de vinte.
— Espetinho — disse, com voz que soava como vento entre galhos secos.
Gabriel pegou o dinheiro e, no automático, foi até a gaveta das moedas de prata.
Vazia.
O pânico o agarrou pelo pescoço. Lembrou-se que, na correria do susto anterior, havia deixado a gaveta aberta. Alguma moeda devia ter caído.
A mulher se aproximou mais.
— O troco...
Gabriel se ajoelhou, tateando o chão. E então, entre a sujeira e a poeira, encontrou uma moeda — redonda, fria, pesada.
Entregou com mãos trêmulas.
A mulher pegou o troco e se afastou sem dizer mais nada. Gabriel caiu de joelhos, suando, ofegante.
Aprendera: a gaveta devia estar sempre cheia.
Capítulo 5: O Relógio Marcava 3:33
O relógio velho preso ao lado da chapa indicava 3:32. Gabriel já sabia o que vinha.
Correu para apagar a luz do trailer, deixou apenas o braseiro aceso. Deitou-se no chão entre caixas e sacos de carvão, cobrindo o corpo com uma lona.
O segundo seguinte durou uma eternidade. Então, ouviu.
Passos pesados na estrada. Como se garras arranhassem o asfalto. Um sussurro grave, em alguma língua esquecida. O ar ficou denso, pesado, quase sólido.
O som se aproximou... e depois se afastou, lentamente, até sumir.
Gabriel permaneceu imóvel até o relógio marcar 3:40. Quando saiu, o ar parecia mais leve. Mas no asfalto diante do trailer, havia um rastro negro queimado, como se algo imenso tivesse arrastado garras incandescentes.
Capítulo 6: O Coveiro Mudo
Faltavam poucos minutos para as quatro da manhã quando o velho apareceu.
Gabriel soube que era ele antes mesmo de vê-lo. A presença era opressora. O homem vestia um terno preto gasto, o rosto enrugado e sem expressão. Nas costas, uma pá. Os olhos — os únicos humanos que Gabriel vira naquela noite — pareciam vazios de alma.
Sem pensar, pegou um espeto e correu até ele.
Entregou a carne quente sem dizer palavra. O velho pegou o alimento com mãos de ossos e se afastou em silêncio.
A cada passo dele, o chão parecia morrer.
Gabriel só respirou de novo quando o vulto do coveiro desapareceu na neblina.
Capítulo 7: O Dinheiro no Balcão
Às cinco da manhã, a primeira luz fraca do sol começou a pintar o horizonte. Gabriel, exausto, caminhou até o balcão. Sobre a madeira, havia um maço de cédulas, bem contadas: R$ 350.
Não ouviu carro, passos ou sinal de Josué. Apenas o dinheiro. Pegou, guardou no bolso, e começou a apagar a brasa com baldes de areia.
Antes de ir embora, olhou para a estrada. Estava deserta. Mas a sensação de que alguém — ou algo — o observava, persistia.
Capítulo 8: Mais Uma Noite
Na noite seguinte, Gabriel voltou.
Agora sabia o que esperar. Sabia das regras. E, sobretudo, sabia o que custava quebrá-las.
Vestiu o avental, acendeu o braseiro e limpou o balcão. Em seguida, abriu a gaveta das moedas de prata e contou uma por uma.
Enquanto o cheiro da carne tomava conta da estrada escura, ele olhou o relógio.
Faltavam cinco minutos para as onze.
E lá estava, à margem da estrada, parado no mato, um vulto esperando o início do expediente.
Gabriel respirou fundo. A madrugada seria longa. E perigosa.
Mas o pagamento... era certo.
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