Escola Serra Sombria
Você teria coragem de se aventurar nesta escola? Cuidado, pois lá é um antro de estranhezas...
2/4/20244 min read
Escola Serra Sombria
Você teria coragem de se aventurar nesta escola? Cuidado, pois lá é um antro de estranhezas...

Capítulo 1: O Contrato Noturno
Quando recebi a ligação, achei que fosse trote. R$ 400 por noite para cuidar de uma escola pública abandonada das dez da noite às quatro da manhã? Ainda mais com comida à vontade, plano de saúde e... auxílio funerário? Mas o homem ao telefone falou com tanta naturalidade que, por alguma razão, aceitei. Dinheiro fácil é difícil de negar quando se está com aluguel atrasado e a geladeira vazia.
Cheguei à Escola Municipal de Serra Sombria alguns minutos antes das dez. Um prédio antigo, de arquitetura severa, cercado por um muro alto e árvores retorcidas que lançavam sombras esquisitas sobre o pátio. Uma única luz acesa na portaria. Um envelope pardo me esperava na recepção. Dentro, um crachá, as chaves e uma folha com “Instruções para o Zelador Noturno”. Quatro regras, escritas à mão. Nada de supervisor, ninguém para recepcionar. Era como se a escola estivesse me esperando.
Suspirei e coloquei o crachá no pescoço. O silêncio da noite era absoluto — e denso.
Capítulo 2: As Regras da Casa
As regras estavam listadas com uma letra quase elegante demais para um papel tão amarelado:
1. Tranque todas as salas. Se vir vultos após a meia-noite, esqueceu alguma.
2. Ignore a sala onde os sanfoneiros estiverem. Não importa o que ouvir.
3. O refeitório estará ativo. Tranque e não interaja.
4. Às 3h, pode aparecer um homem igual a você. Ele não é você. Ignore.
Ri nervoso. Era piada? Algum tipo de ritual de iniciação? Resolvi levar a sério. Afinal, se era parte do emprego, melhor cumprir. Comecei o primeiro turno com um molho de chaves na mão e passos ecoando pelos corredores escuros.
Logo percebi que as portas eram todas numeradas. As trancava uma a uma, ouvindo o clique das fechaduras e o ranger das dobradiças. À medida que avançava, o som do meu próprio respirar parecia mais alto.
Às 23h47, já havia verificado quase tudo. Apenas uma porta permanecia entreaberta: a da sala 12.
Capítulo 3: A Sala 12
A sala 12 tinha um cheiro de mofo forte, como se não fosse aberta há anos. A luz do corredor mal iluminava o interior. Alcancei o interruptor — nada. Queimado ou desligado da caixa principal, talvez.
Adentrei, guiado apenas pela lanterna do celular. As carteiras estavam empilhadas no canto. O quadro-negro ainda exibia uma equação de física escrita em giz branco. Mas o detalhe que gelou minha espinha foi o piano no canto da sala. Um piano antigo, de madeira escura, com a tampa entreaberta.
Toquei levemente a tampa. Nada. Virei as costas para sair e, nesse instante, três teclas soaram atrás de mim: dó, mi, sol.
Tranquei a porta sem olhar para trás e segui para a próxima.
Capítulo 4: Os Sanfoneiros
Meia-noite.
O corredor parecia mais escuro. As luzes, antes fracas, agora piscavam ocasionalmente. Foi quando ouvi o som: um acorde de sanfona vindo do bloco B.
Fui até lá, e notei que uma das salas estava com a luz acesa sob a porta. Nela, um letreiro apagado: “Aula Particular”.
De dentro, vinham acordes desafinados, depois risos roucos. Então, gritos. Longos. Desesperados.
Engoli seco. As regras eram claras: não interagir. Voltei dois passos, mas meu corpo hesitou. Algo em mim queria abrir aquela porta. Salvar quem gritava.
Fechei os olhos. Pensei no dinheiro. Continuei andando, ignorando os gritos que pareciam aumentar de intensidade até cessarem de repente — como se nunca tivessem existido.
Capítulo 5: Vozes no Refeitório
Às 2h10, conferi a última ala. A escola parecia mais viva do que quando cheguei. O refeitório era a próxima parada.
Ao me aproximar, ouvi risadas. Passos. Talheres batendo em pratos. Olhei pela janelinha da porta — vazio. Completamente vazio.
Empurrei devagar. A luz do teto tremulava. No canto, um ventilador rodava sozinho. Os bancos estavam no lugar. Mas o som persistia. Vozes discutindo, alguém se engasgando. Tosse forte.
Fechei a porta devagar. Quando fui girar a chave, uma batida do outro lado me fez congelar. Uma batida firme, como um pedido de entrada. Depois outra.
Tranquei. Dei dois passos para trás. Nada mais aconteceu.
Capítulo 6: O Outro Zelador
Às 3h03, ouvi passos. Regulares. Firmes. Vindo da direção da portaria.
Me escondi parcialmente numa sala. Vi a silhueta dele cruzar o corredor. Mesma roupa. Mesma postura. Mesmo crachá.
Ele olhou direto para mim, como se soubesse onde eu estava. Sorriu. Um sorriso idêntico ao meu, mas vazio. Desumano.
“Precisa de ajuda com as trancas?”, disse ele, com minha voz.
Fechei a porta. Tranquei por dentro. Ele ficou ali, do outro lado, por minutos. Murmurando coisas que não entendi. Depois, silêncio. Quando abri, ele havia sumido. Apenas pegadas molhadas no chão encerado.
Capítulo 7: 4h da Manhã
O relógio marcava 4h02.
Corri para a recepção. Peguei meu crachá, minhas coisas, e atravessei o portão com pressa. A brisa da madrugada parecia mais fria do que nunca.
No caminho para casa, parei num posto de gasolina. As mãos ainda tremiam. Ao olhar no espelho do banheiro, algo me incomodou. Um leve reflexo, atrás de mim, por um instante. Uma figura igual a mim, parada.
Virei. Nada. Voltei para o carro e dirigi sem olhar para os retrovisores.
Capítulo 8: O Segundo Turno
Na noite seguinte, às 21h45, meu celular tocou. Um número desconhecido. Atendi.
A mesma voz grave da primeira ligação: “Esperamos você hoje novamente, às dez. O depósito dos R$ 400 já foi feito.”
Olhei para minha conta. O dinheiro estava lá.
Pensei em recusar, mas então lembrei da geladeira. Da conta de luz. Da dívida com o aluguel.
Às 21h58, eu estava de volta em frente à Escola Serra Sombria.
A porta da recepção se abriu sozinha desta vez. O envelope com meu nome estava lá, esperando.
E um novo bilhete, escrito à mão:
"Alguns zeladores se esquecem de que ainda estão vivos. Evite isso."
Nos ajude a continuar a produzir essas histórias para você!
Se você gostou da história, por favor considere nos apoiar e comprar por um preço simbólico (R$9,90) uma das nossas mais famosas histórias em formato de e-Book Kindle pela Amazon!

